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domingo, junho 04, 2006

Avô



Vinte e seis de Janeiro
De mil novecentos e noventa e cinco:
Um estranho nevoeiro
Fez em mim um grande vinco.

Naquele aniversário
Do Fernando, meu irmão,
Um mau noticiário
Roubou toda a animação.

A perda do meu querido avô
Foi, para mim, uma surpresa.
Agora, não sei como vou
Manter a minha vida acesa.

Conhecia as suas recaídas,
Mas desconhecia as suas vontades.
Como reconhecer estas saídas
Sem conhecer todas as verdades?

Lanço-me em devaneios
E recordo os nossos encontros,
Os nossos passeios...
E alguns desencontros...

A sua idade guardava
Um verdadeiro chefe de família
Para quem qualquer um olhava,
A quem qualquer um ouvia.

Escrevo para não me esquecer
De homenagear este ente
E para que, ao anoitecer,
Ele esteja sempre presente.

Carlos Ortet, 1996-09-26

sábado, junho 03, 2006

Homenagem ao Tio António Pedro Ortet



O pior inimigo da Humanidade
Não é o homem, é a doença!
Essa é a mais pura verdade,
Pois, para entrar, ela não pede licença.
Mas tu encaraste-a de frente
Sem nunca esmorecer;
Surpreendeste toda a gente,
Na consciência de que acabarias por perder.
Com a tua maneira de ser,
Cativaste adultos, jovens, crianças…
Agora, resta-nos apenas afirmar:
Nunca te iremos esquecer!
Ficarás para sempre presente
Nas nossas recordações!
Prometemos não quebrar a corrente
Dos nossos corações.
À Luzia, Pedro e Filipa peço que honrem
O homem espectacular que foi o meu tio,
Preservando e cultivando o seu legado:
O amor, o carinho e a união familiar…


Carlos Ortet, 2006-01-31

domingo, maio 28, 2006

(In)Segurança

Eu vivo num prédio
Que tem uma porta,
Porta essa que tem uma fechadura,
Fechadura essa que abre com uma chave,
Chave essa que é um EMPURRÃO,
NÃO DIGAM QUE NÃO!

Por favor,
Mantenha a porta FECHADA,
E NÃO ENCOSTADA!

Obrigado.

Carlos Ortet, 2000-08-07

Cegueira

Quantas vezes não temos a sensação
De que um determinado lugar,
Há muito por nós esquecido,
Está diferente do que o era antigamente?

A casa onde nascemos…
O bairro onde brincámos…
O quarto onde dormimos…
As escolas onde estudámos…

De facto, passado algum tempo,
Olhamos para essas mesmas coisas
Com outros olhos, porque, na verdade,
Estamos a vê-las pela primeira vez.

Então, observamos cada detalhe,
Passamos tudo a pente fino
E concluímos o mais difícil de admitir:
Desconhecemos o valor do que possuímos.

Carlos Ortet, 1999-11-17

Fruto de um Sonho Querido

Foi ter com ela ao celeiro,
Cheio de amores,
E ofereceu-lhe uma pena de pavão
Porque não tinha flores.
Foi então que aconteceu…

Nove meses volvidos,
Nascia o fruto
De um sonho querido,
Frágil, mas astuto.
E assim sobreviveu…

Rapaz feito e amadurecido,
Foi crescendo, crescendo,
Passando pelo mesmo,
A seu tempo, mas envelhecendo.
Até que adormeceu…

Recordando aqueles tempos
Em que a vida os iluminou,
Vieram-lhes lágrimas de saudade
Pelo filho que os abandonou.
Aquela criança era eu…

Carlos Ortet, 1999-10-19

Mãe Nua e Crua

… O peito enche
Que nem uma Lua.

O leite flui
Pela glândula nua,
Por acção do beijo
De uma criatura,
Que não fere nem amargura,
Porque é sua…

Ser mãe é ser assim mesmo:
Mãe nua e crua.

Carlos Ortet, 1999-05-25 (adapt. 2006)

Lou… cura

O pior mal de todos os males
Não reside em doces,
Como os ovos moles,
Mas em duas perigosas fouces:

De um lado, mais negativo,
Temos a carência;
Do outro, não mais positivo,
Temos a abundância.

Tanto uma como a outra
Infecta a raiz
De quem nelas encontra
Algo de feliz,

Tornando difícil
Detectar um meio-termo.
Como tal, acaba por ser fácil
Viver num lugar ermo.

Consequentemente,
Longe de tudo e de todos,
Torturamos a nossa mente
Até que, por fim, damos em doidos.

Então, atacamos e contra-atacamos
Num discurso de loucura…
(E isto porque ignoramos
A existência de uma cura!…)

Carlos Ortet, 1999-03-31

Meu Pai

Quando fecho os olhos,
Vejo tudo o que não quero ver…
Assim, compreendo verdadeiramente
O que tenho de fazer:
Olhar para ti, meu pai,
E agradecer
Por seres o meu sustento, a minha inspiração,
O símbolo do sucesso familiar e profissional…
Enfim, um exemplo vivo a seguir.

Carlos Ortet, 1999-03-19

Droga de Vida

Sinto-me alto,
Mais alto do que, na realidade, o sou,
Porque tomei de assalto
Algo que me agradou…

Salto de nuvem em nuvem,
Tal como uma teia de aranha,
Que vai e que vem
Numa corrente de ar tamanha…

Mais sensível me assumo
E oiço o inaudível…!
Mais facilmente presumo
Que vejo o invisível…!

Até que, por fim,
Caio na minha pessoa
E confirmo: sim,
Esta viagem foi boa…!

Mas não o suficiente
Para justificar a minha dependência…
E digo-o plenamente ciente,
Tranquilo de consciência:

Estou livre dessa vida,
Cujo destino não é incerto…
Droga de vida,
Desconhecer-te-ei por completo?

Carlos Ortet, 1999-02-05

Personalidade de Ferro

Os tempos mudam mais facilmente
Do que as pessoas.
É por isso que eu fui o que fui,
Sou o que sou
E continuarei a sê-lo
Até aos meus últimos dias.

As pessoas, quando nascem, são puras.
Depois, apreendem a sua própria personalidade.
A forma como a constróem
Depende da família, das escolas,
Dos amigos, mas, sobretudo,
Depende de si mesmas.

A minha maneira de ser,
O meu modo de estar,
A minha filosofia de vida,
Enfim, a minha personalidade,
Será para sempre imutável,
Mas não total e definitivamente,

Pois a vida, incerta e mutante,
Encerra inúmeras situações que nos obrigam
A um processo de adaptação forçada,
Face a ambientes inóspitos.

Permanecer intocável,
Permanecer impermeável,
Permanecer inabalável,
Permanecer impenetrável…
Eis as difíceis qualidades do portador
De uma verdadeira personalidade de ferro!

Carlos Ortet, 1999-01-11

Envelhecimento

Quando era pequenino,
Só queria crescer
Para poder ver-me no espelho,
Lá bem no alto,
Por cima da bacia-de-rosto.

Agora que sou grande,
Só desejo voltar a ser pequeno;
Não me agrada o que vejo:
Um velho estranho e mal-encarado
Que não pára de olhar para mim.

Carlos Ortet, 1999-01-02

O Bem e o Mal

Ou estamos vivos,
Ou estamos mortos.
Viver é fazer tudo o que queremos
E aquilo em que acreditamos.
Morrer é tudo o resto.
Se fazemos o Bem,
Ou se fazemos o Mal,
Isso, já é outra história.
O Bem não causa remorsos,
Muito embora possa causar dúvida.
O Mal massacra a nossa mente,
Corrompe a mossa consciência
Para, assim, se tornar numa presença:
Aquela voz que assombra de noite
E atormenta de dia.

Carlos Ortet, 1998-12-07

Sonho de Morte

Eu tive um sonho…
Um sonho de morte.

Estava numa Igreja em ruínas.
Na cripta havia um rio:
Era o rio do Diabo.

Na minha longa caminhada
Vi uma noiva vestida de branco,
Muito bela e muito sorridente.
Tropeçou e caiu.
Logo envelheceu e o seu sorriso
Se transformou em lágrimas.
O seu belo vestido mudara de cor,
Ficando literalmente negro.
A noiva, antes do seu casamento,
Ficara subitamente viúva.

Mais à frente,
Vi quatro torres sob um luar aterrador.
Na topo de cada uma
Havia uma caveira exprimindo sofrimento.

Que significado terá tudo isto
Senão a morte?

Carlos Ortet, 1998-11-08

Finalista de Curso

Parabéns avôzinho(avózinha),
Nesta data maldita,
Muitas felizes idades,
Muitos anos de curso.

Hoje é dia de festa,
Cantam as nossas calmas,
Para o(a) menino(a) _________,
Uma salva de palmas!

(Até que enfim, porra!)

Carlos Ortet, 1998-05-05

Reflexão

Qual é a coisa,
Qual é ela,
Que existe,
Mas não se vê,
Que se ouve,
Mas não é falada,
Que assombra de noite
E atormenta de dia?

(Solução: aicnêicsnoc ad zov a É)

Carlos Ortet, 1996-12-16

Falsa Verdade

Quero vos contar
Uma mentira.
Quero vos mostrar
O que ela inspira.

Simulei ganhar
Trinta mil contos
E, pelo olhar,
Marcaram-me pontos.

Bem, agora
Está tudo bem.
É que, por fora,
Já sou alguém.

Sou o centro
Das atenções!
Querem-me dentro
Das suas acções.

Uns quantos
Dão-me os parabéns,
Outros tantos
Querem os meus bens.

Correm boatos
Sobre a minha fortuna.
Caiem como patos
Na minha coluna.

Tentam agarrar
Esta falsa verdade.
Desconhecem mostrar
A sua própria falsidade.

Debatem-se...
Chateiam-me...
Questionam-se...
Interrogam-me...

Não confirmo
Nem desminto,
Só afirmo
O que sinto.

Carlos Ortet, 1996-11-15

Contudo

Bem-vindos à selva,
À selva de pedra,
De pedra alva
E calva pedra.

Aqui reina uma só lei,
A lei «Salve-se quem puder».
Se não se puder ser rei,
Rei será quem o seu melhor der.

Quem for o mais forte,
À má sorte vai reagir
Para fugir à morte,
Sem o seu porte atingir.

É o jogo da sobrevivência,
Da vivência sobre tudo,
Sobretudo uma experiência:
A providência do «contudo»...

Carlos Ortet, 1996-03-24

Soldados

Estamos em guerra,
Cavamos trincheiras:
As unhas com areia,
Pulmões de poeiras.

Sob uma tamanha agonia,
Somos obrigados a ver morrer.
Todos juntos, em sincronia,
Esforçamo-nos para tentar esquecer.

Não aceitamos as verdades,
Gera-se um clima de mal-estar.
Refugiamo-nos nas saudades
Por não haver propriamente um lar.

Parando um pouco para pensar,
Não cremos em combater.
Só pensamos em regressar
E evitar sair a perder.

Temos medo de disparar...
Temos medo de correr...
Temos medo de respirar...
Não conseguimos parar de tremer.

Chamam-nos de cobardes
Por nos verem assim a fugir.
Esquecem-se das tardes
Que nos ajudaram a reflectir.

Sim, somos soldados,
Talvez com pouca experiência,
Mas estamos preocupados
Com a voz da consciência.

Carlos Ortet, 1996-02-24

O Rio

De uma nascente
Brota um fio de água
Que muito tem a percorrer
Para ser um ribeirinho.
Continuará a crescer, a crescer…
Então, poderemos dizer:
Por entre as rochas corre um rio,
Sempre diferente.
Um dia, secará…
Assim, desde o nosso nascimento,
Temos que correr e correr…
Ultrapassar obstáculos
E crescer, sobretudo, crescer…
Alteramos o nosso comportamento
À medida que envelhecemos
E, um dia, extinguir-nos-emos…

Carlos Ortet, 1996-01-10

Que Remédio?

Escrevi para não me esquecer,
Mas as minhas lágrimas borraram a tinta.
Vivi o momento tão intensamente
Que não consegui parar de chorar.

Porque é que não tentamos afastar a morte?
Porque é que não valorizamos a vida?
Porque é que só nos interessamos por ela
Quando perdemos alguém que amamos?

É nesses momentos muito presentes
Que descobrimos o seu verdadeiro significado.
É nesses momentos sempre infelizes
Que sentimos a falta de um ombro amigo.

De uma hora para a outra,
Podemos perder muitas coisas:
Os nossos entes queridos,
A vontade de viver…

A falta de um amigo
É como um buraco em aberto:
Seja bom ou seja mau,
Sentimos sempre um vazio no peito…

Que remédio senão chorar?…
Que remédio senão reflectir?…
Que remédio senão aceitar?…
Que remédio senão enfrentar?…

Carlos Ortet, 1995-12-03

quarta-feira, maio 24, 2006

Auto divagações filosóficas

Na minha vida
Tudo é o nada,
O nada da minha mente,
Que muito sente,
Em demasia, até,
Mas que não responde
De forma clara.

No meu dia-a-dia
Vivo o ontem,
Vivo o hoje,
Vivo o amanhã,
Mas nunca estou presente,
Pois a minha mente
Nunca está assente.

Banho-me de coragem
E de alguma surdez
Para compensar a longa viagem,
A longa caminhada
Para o vazio do meu querer,
A miragem do meu ser
Que sorri pelo prazer
Que é o mero viver
Na simplicidade,
Na humildade,
Na ingenuidade,
Na maioridade,
Na saudade
E na vaidade
Da minha idade.

Recebo e partilho,
Por vezes, monopolizo,
Mas nunca consciente
Porque estou ausente.

Vivo nas alturas,
Algures no Universo
Que é o Nirvana,
O Devir do meu peito,
Dos meus sentimentos,
Que oscilam ao sabor do vento,
O portador da inconstância,
Da transformação,
Da deformação,
Da deterioração do meu «eu».

Não sei, não sei, não,
Paralisarei ou evoluirei?
Questões sem resposta,
Sem solução
Por causa da podridão
Da «nobre» sociedade
Que nada tem de verdade.

A minha atenção não existe.
A minha tensão
Está na pressão
Que em mim persiste.
Desconcentração…
…e por que não?

Suicídio! Suicídio!
Está fora de questão!
Tal acto não merece minha consideração!
Não vale a pena dizer não
À vida e à família,
Aos amigos e aos seres vivos,
Racionais ou irracionais.

Beber, fumar e outras coisas mais
São actos cansativos.
Abstracção e meditação,
A melhor fuga à rotina.
Descanso psicológico,
Descanso fisiológico,
Mas nunca a abstinência
Ou a renúncia total,
O pior mal de todos os males.

A resposta está na mente
Que pára o tempo.
A imaginação e a desconcentração
Dominam a minha mente
Que nega uma lente
De aumento ou diminuição.

Olhar a direito,
Sempre para a frente,
Para um caminho estreito
E, ao mesmo tempo, imenso,
De uma vastidão tal
Que o risco de perda
Na escuridão de uma estrada
Sem bermas nem linhas
Não deixa parar
Nem sequer para planificar
Ou, pelo menos, tentar adivinhar
O futuro desconhecido e escuro,
Opaco, incensível, inseguro,
De todo imaterial e irreal.

Vivo na esperança de conseguir
Atingir a plena liberdade,
Não económica,
Não social,
Não política,
Mas sim espiritual.
Quero despir-me de preconceitos
E largar as minhas roupas
E sentir-me mais leve,
Completamente ao natural.

Conseguirei…?
Conseguirei-o alguma vez?
Não sei,
Porque se soubesse
Não perguntaria o que,
À partida, parece óbvio.
E tão óbvio não será,
Pois estou atolado
Num pequeno buraco,
Lamacento, espumoso,
Pegajoso e viscoso.
Haverá solução?
Haverá solução?

Não adianta ser forte,
Não necessito de ser brusco,
Apenas tenho de ser
Surdo, cego e mudo
Para poder abstrair-me,
Desligar-me, ausentar-me,
Olhar sem os olhos,
Para nada ver,
Mas sim visualizar,
Criar uma imagem,
Criar uma ilusão
Que recrie a realidade
E me faça compreender
A lógica do «não-ser».

Ai, a minha mente…
Eu sei que ela não mente
Porque é omnipresente
Tal como a ideia de Deus.

Sim, Deus! Sim, Deus! Deus!
A mente é que é Deus!
Não a minha mente,
Não apenas a minha mente,
Mas a mente de toda a gente
Que acredita e que sente
Uma força ardente
Plenamente consciente.

A mente é uma corrente,
Uma concorrente e uma sobrevivente
Ao Sol nascente
E ao Sol poente.
Por isso mesmo é diferente.
É uma força inocente.

Só a abstracção do «eu»
É que faz um homem ver.
Só a abstracção do «eu»
É que faz um homem escutar.
Só a abstracção do «eu»
É que faz um homem sentir.
Só a abstracção do «eu»
É que faz um homem viver.

É a elevação da mente,
A elevação para além das nuvens,
Ela é que torna o homem crente
Que aquilo que sente é a verdade,
A mais pura realidade do seu «eu»…
Do seu «eu»… do seu verdadeiro «eu».

Porque assim que fechamos os olhos,
Vemos tudo o que não queremos ver
E só assim podemos compreender
O que temos que fazer
Para que possamos renascer
E ver crescer, logo ao amanhecer,
A mente de uma criança,
A última esperança…

CO, 1997